segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Pena minha

Hoje estou saudosista. Já não há homens como antigamente!

Recordo-lhes o bigode farfalhudo, o andar gingão, a camisa desabotoada até meio para aturada observação feminina, tanto do pêlo, como do fio de ouro pendurado na peitaça, a pulseira com o nome gravado e o anel reluzente no dedo. Usavam todos “Old Spice”, o que era excelente porque antes da própria da visão, qualquer mulher sabia já que aí vinha macho.

Na praia era um delírio! Usavam um calção bem coladinho ao corpo, acessório ideal para bom relevo dos seus atributos e, por todo o corpo, balouçavam, ao sabor do vento, verdadeiras florestas tropicais. No braço, demonstrativa do carinho familiar, a eterna tatuagem do coração perfurado pela seta, acompanhado dos dizeres “Amor de mãe”. E ainda, porque esforço de sedução não lhes faltava, assistiamos a verdadeiras danças de pavão frente à fêmea escolhida, traduzidas, poeticamente, por flexões ao ritmo das ondas.

Ao fim do dia, sentavam-se numa esplanada qualquer, bebiam a sua Sagres e cuspiam o mais longe possível a casquinha da pevide ou do tremoço, enquanto cobiçavam, gulosa e descaradamente, a garina mais próxima e lhe atiravam piropos super originais.

Ai que saudades desse tempo. Predicados tais punham, inexoravelmente, uma mulher de cabeça à roda.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Atropelos

Vi este slogan em Aveiro. Ia a conduzir e não me consegui aperceber a que se respeitava, mas a frase não se me descola da alembradura. Alguém sabe a que se refere?


Come a vida à dentada, arrota no fim e não peças desculpa.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Flagrantes da vida real

Todos os dias, nuinha como vim ao mundo, subia para ela. Dava-lhe tempo e ela, prontamente, servia-me. Partilhávamos o mesmo ritual, a mesma hora, o mesmo espaço, o mesmo corpo. Ela não me dava um prazer maior do que o necessário. E eu a ela também não.

Um dia começamos a entender-nos melhor. Eu olhava-a, dizia-lhe duas ou três palavras simpáticas e doces do tipo vá lá doçura, orienta-te e acomoda-te e ela, rapidamente, retribuía-me a cortesia e gentileza mostrando-me o que eu desejava ver.

Comecei a falar mais com ela, dediquei-lhe mais tempo, comecei a aconchegar-me melhor e a aconchegá-la. Cheguei até a mimá-la com uma limpeza mais profunda, acarinhando-a com um pano de flanela. E ela, solícita e ligeira, dava-me sempre o que eu pretendia.

Até que me começou a parecer gentileza a mais. Era só ela que mo dizia, não o via em mais lado nenhum, não o notava na roupa, no olhar dos outros, nem no meu próprio olhar.

Comecei a desconfiar dela.

Como é que era possível ter no início da semana 64, no meio da semana 61 e no fim de semana 57 kg?

Para a semana, ou falo com ela ou compro pilhas. Ainda não me decidi!

Lembras-te?

Posted by Picasa

Lembras-te daquelas tardes que passávamos frente àquele, esvaziado de gente, mar de Novembro?

Lembras-te de estenderes a toalha na areia húmida e, abraçados, nos comovermos com o azul impossível do céu?

Lembras-te do murmurar das ondas e do vento fresco no rosto?

Lembras-te da dança dos nossos próprios passos desenhada na areia?

Lembras-te? Ainda te lembras?

Eu lembro-me. Assim como me lembro ainda do teu cheiro, do livro que líamos juntos e da gaivota sobre ele.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Gay or not gay

Ontem apetecia-me ser gay porque ser gay não é normal nem anormal, simplesmente é um modo de estar, de viver, de estabelecer relações amorosas.

Hoje sou gay porque a homossexualidade dá azo a coisas estranhas, como arrepios na espinha, cabelos em pé, olhares maldosos, palavras grosseiras, comportamentos de bullying e apetece-me lixar toda essa gente homofóbica.

E amanhã e nos dias que virão serei gay, ainda que seja vista de olhos atravessados por alguns frustrados ou incapacitados mentalmente.

sábado, 21 de novembro de 2009

Valéria

Ao fim da tarde, quando o sol deixa de queimar a terra estéril, Valéria, pontualmente, senta-se no poial da sua porta e remexe nos tempos passados. Amara um homem que não teve e teve um homem que não quis. A esse, que acabou por ser o seu e a quem depois amou ainda que sem o fogo da paixão, nunca lhe ouvira, nem nas noites mais quentes, pronunciar o nome. Fora, para ele, sempre a “rapariga”.

O pensamento foge-lhe para os tempos de moça. Sonhara tanto e concretizara tão pouco.

Nascera numa família numerosa, numa aldeia que jogava às escondidas no mapa. Do mundo pouco vira e do que vira não lhe recordava já o nome (nunca soubera juntar as letras e tinha os nomes das terras baralhados na memória) mas essa vontade de correr mundo, colara-se-lhe no corpo desde cedo e perseguira-a a vida inteira.

Já casada, tentou deixar-se de devaneios de moça ligeira e livrar-se dela. Misturou-a com a roupa suja e esfregou-a com afinco como se de uma nódoa se tratasse. Em vão. O mais que conseguiu foi fechar a vontade à chave numa caixa de bolos bonita.

Recorda agora os tempos em que o sino da igreja sabia as horas de cor e as anunciava sempre assíduo. As ruínas das casas não eram ruínas mas casas com janelas floridas e gatos ao sol. Os filhos que desejou não vieram e os dos outros foram-se, mas ainda lhes ouvia as gargalhadas. Relembra as vidas e histórias dos vizinhos que depois partiram.

Eles partiram e ela ficou, presa na vida que tem. Afinal este é o único lugar que verdadeiramente lhe pertence. É a última habitante e espera a única coisa a esperar.

A aldeia também espera, sabe que desaparecerá assim que Valéria deixar de ser Valéria e abrir, por fim, a caixa de bolos bonita.

Posted by Picasa


(retirado de anteriores Calendas)

Remédio infalível

Li aqui que o vinho tinto é usado para prevenir gripe. Embora esteja, ainda, em fase experimental, parece que os utentes se estão a dar bem e que gostam de tal remedinho.

Lanço um repto: hoje é Sábado, a gripe colhe-nos a passos largos, por isso vamos todos pr'os copos. E que ninguém diga que não é por motivos de saúde!

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

O meu maior mistério

Vivo de fogachos e não de grandes chamas. Não as alimento, simplesmente porque me cansam. Constante, sou apenas no amor que dedico ao meu marido e aos meus filhos. Já a alguns dos restantes membros da família apetece-me, em certos Natais, doá-los para caridade. Inconstante, portanto, em tudo o resto.

Disse-me uma vez um professor (que é poeta) que ao verdadeiro escritor lhe doem as palavras na ponta dos dedos, não vivendo - na verdadeira acepção da palavra - sem elas. Ora eu não retiro maior prazer da escrita que não seja a do jogo das palavras. Sendo assim, eu própria me pergunto a razão de manter um blog do estilo deste. Poderia ter um blog de fotografia mas já tive e acabei nem sei porquê. Por que raio escolho eu (duas vezes seguidas, porque já vou no terceiro) um blog de palavras, quando não tenho grande predilecção pela escrita, nem necessito dela para viver, podendo ocupar o meu rico tempinho noutras merdalejas? Provavelmente também este morrerá enfermo e abandonado num qualquer lugar perto de mim, se não lhe encontrar melhor razão para a vida.

Já me apercebi que o mais engraçado dos blogues (blogosfera, para pessoas cultas e tias de Cascais) são as conversas que se criam nos comentários. Mas para isso não preciso de um blog, comento nos blogues dos outros.

Não lhe encontro razão e começo a fartar-me.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Maria


Maria é puta. Não acompanhante, prostituta ou garota de programa. É puta, p-u-t-a mesmo. É ainda mais puta do que as outras putas que conhece porque trabalha mais que nenhuma.

Passa pelos homens como os homens passam por ela: breves, ligeiros, casuais, sem deixar história nem rasto.

Orgulha-se de cumprir regiamente o que leu num livro. Sabe que bastam sete minutos e meio para satisfazer um homem. Não oito, mas a quantia exacta de sete e meio, por isso, quando lhe pedem, diz que não faz descontos nem adiantos e que se não foi, tivesse ido, se não veio, tivesse vindo.

Maria é produtiva, não discrimina, não rejeita, aceita tudo, aceita todos e dá-se toda mas não inteira. Guarda para si o desgaste, o vazio e a esperança de uma casa caiada de branco, com sardinheiras nas janelas e uma macieira no quintal.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

O dia era de mudança

Levantou-se com uma urgente vontade de mudança.
Tomou um banho, vestiu-se, calçou-se, maquilhou-se, perfumou-se, colocou a carteira ao ombro e saiu porta fora.
Chovia. Ping, ping. Detestava os dias de chuva. Deixavam-na mole.
Mete-se no carro, pega no comando e aponta-o ao portão. Ouve o familiar ranger do dito, liga o carro, mete a mudança adequada. Vai-se.
Para onde vai ela? Ela própria não decidiu. Vai e chega-lhe por agora.
Chegou. Sai do carro, abre o guarda-chuva.Esboça uma pequena corrida. Entra. Cumprimenta. Coloca o guarda-chuva no sítio adequado. Dirige-se à cadeira vazia e senta-se. Nisto levanta-se e agarra uma revista. Senta-se. Folheia, metodicamente a revista, sem deter o olhar em coisa nenhuma. Espera, pacientemente, pela sua vez.
À hora marcada, senta-se na cadeira que lhe indicaram. Liga o botão da massagem e sente o afago da máquina nas costas. Gosta. Pedem-lhe que se afaste um pouco. Afasta-se complacente. Colocam-lhe o resguardo. Molham-lhe a cabeça. Sente a carícia da água quente. De novo gosta. Colocam-lhe o shampoo. No entretanto, massajam-lhe a cabeça. Não gosta mas não diz nada. Retiram o shampoo, colocam amaciador. De novo massajam. Passam por água. Tiram o excedente de água com uma toalha. Retiram a toalha e colocam outra nova com a qual lhe envolvem a cabeça. Desligam o botão da massagem. Pedem-lhe que se sente noutra cadeira, desta vez sem massagem. Assente.
- Então, como é que vai cortar? – perguntam.
- Curto – responde.
- Muito curto – acrescenta.
- Tem a certeza? – perguntam.
- Absolutamente – confirma.
Cortam, cortam, cortam, cortam. Ela olha, olha, olha, olha. Alegra-se. Arrepende-se. Entristece-se. Mentaliza-se.
Olha de relance para o espelho que lhe mostram. Responde laconicamente que sim, que gostou. Levanta-se. Dirige-se ao caixa. Pergunta pela conta. Dizem-lhe. Paga. Pega no guarda-chuva. Despede-se. Sai.
Entra no carro. Liga o carro. Mete a mudança adequada. Faz pisca. Faz-se à estrada. Vai. Chega a casa. Abre o portão. Mete o carro. Fecha o portão. Sente o frio nas orelhas, agora descobertas. Gosta. Entra em casa. Vê-se ao espelho. Não sabe se gosta. Olha de novo. Está mais leve. Não sabe ainda se gosta. Sabe que mudou. O dia era de mudança. Cumpriu-o.
(retirado da gaveta das Calendas)

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Machismos linguísticos

La lengua castellana no es machista!!! No lo puedo creer!!!!

ZORRO = Héroe justiciero
ZORRA = Pu-ta
PERRO = Mejor amigo del hombre
PERRA = Pu-ta
AVENTURERO = Osado, valiente, arriesgado
AVENTURERA = Pu-ta
CUALQUIER = Fulano, Mengano, Zutano
CUALQUIERA = Pu-ta
CALLEJERO = De la calle, urbano
CALLEJERA = Pu-ta
HOMBREZUELO = Hombrecillo, mínimo, pequeño
MUJERZUELA = Pu-ta
HOMBRE PÚBLICO = Personaje prominente. Funcionario público.
MUJER PÚBLICA = Pu-ta
HOMBRE DE LA VIDA = Hombre de gran experiencia.
MUJER DE LA VIDA = Pu-ta
PUTO = Homosexual
PUTA = Pu-ta
HEROE = Ídolo.
HEROÍNA = Droga
ATREVIDO = Osado, valiente.
ATREVIDA = Insolente, mal educada.
SOLTERO = Codiciado, inteligente, hábil.
SOLTERA = Quedada, lenta, ya se le fue el tren.
DIOS = Creador del universo y cuya divinidad se transmitió a su Hijo varón por línea paterna.
DIOSA = Ser mitológico de culturas supersticiosas, obsoletas y olvidadas.
SUEGRO = Padre político.
SUEGRA = Bruja, metiche, etc.
MACHISTA = Hombre macho.
FEMINISTA = Lesbiana.
DON JUAN = Hombre en todo su sentido
DOÑA JUANA = La mujer de la limpieza

Caríssimo

Venho, por este meio, dizer-te ó ÍSSIMO dos meus dias idos e vindos que te esqueceste daquela data especial. Tu, eterno portador das nossas memórias, falhaste e não há retorno possível.
Sem outro assunto de momento,

domingo, 15 de novembro de 2009

Aguarela mulher

O maior mistério de mim é não ter mistérios nenhuns. Sou uma aguarela mulher. Combino a roupa interior com o verniz das unhas para afastar o cansaço do mundo. Sinto-o no vento, no sono e no silêncio das janelas tristes. A tua falta visita-me e tantas vezes não estou por não estares. Pinto-me com as cores da estação e espero por ti, que não existes.
Só há uma vez para a vez certa e não te perdoo não estares. Hoje é o momento único de podermos estar os dois neste momento.
Visto-me de verde e pinto as unhas de vermelho!

A cor das letras

À falta de tempo para pensar sobre a cor do alfabeto inteiro, decidi-me por um exercício de menor fôlego, averiguar a cor das vogais.
A – Vogal aberta, inspiradora, imensa. Faz-me lembrar liberdade, espaços abertos. Decidi-me pelo azul, não escuro mas claro, porque me lembra a imensidão do céu ou do mar. Já o A acentuado me puxa para outra cor. Não há vogal mais forte, assim que a vejo vestida de vermelho vivo, tipo papoila. Gosto dos AAA, muito mesmo e do nome Clara também, pela luz, pela força. Gosto.
E – Quanto a este, para mim é absurdamente amarelo. Completamente amarelo e nunca muda de cor. É quente e forte, tipo sol, mas de som mais suave que o A acentuado por isso veste-se de uma cor mais amena.
I – Vogal absurda de tão estridente. Não é forte, não é doce, não serve para rimas, mas faz-se notar. Apetece-me ligá-lo às amoras e dar-lhe a cor das ainda não totalmente maduras, meio ácidas. Reservo-lhe o grená.
O – Este é doce. Sempre presente ainda que sem dar nas vistas. Decididamente da cor quente do chocolate, pelo aconchego da letra. Parece um gato enrolado dormindo à lareira.
U – Preto, preto, preto. Vogal sem graça nenhuma. Só serve para onomatopeias tristes e a lembrar fantasmas e ventos UUUUUUUUUUUUUU.

Actas

Passei a tarde a trabalhar e a ouvir isto, aquilo que está abaixo e outras coisas que tais. Ainda não me fartei e acho que a minha acta vai fazer sucesso no departamento por estar tão poética e inspiradora. A partir de agora as actas deixarão de ser o que eram. Balhame deus e mai nada ca minha alma tá parva. Ai ó égua!

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Sensualidade II

Muito agradecida pela forma esclarecida e, a bem dizer inovadora, com que definiram o termo em questão.

E eu que andava tão equivocada! Se não fossem vossemecês, estaria agora a pensar que sensualidade tinha a ver com tudo menos com enguias gingonas, raias indecorosas de tão pavoneantes, parkinson e fumo de cigarros. A minha amiga Redzinha também atirou uma para a caixa, mas não chegou a esclarecer ninguém (ainda deve estar a absorver informação acerca da questão). Ou é lenta nas aprendizagens ou o George tem muito que se lhe diga.

De qualquer maneira valeu a lição. Ainda ontem pensava que ser sensual era isto.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Sensualidade

Estou farta da confusão entre sensualidade, luxúria, sedução ou sexualidade.

O próprio dicionário também não ajuda muito à causa. Se procurarmos, o significado virá, provavelmente, no seguimento de que é algo relativo aos sentidos, qualidade de ser sensual. E se procurarmos a definição deste último vocábulo, pouco ou nada adiantaremos porque somos logo remetidos para luxúria, lascívia e afins.

Tampouco consigo definir bem o que é a sensualidade. Sei que se tem ou não se tem. Não se aprende, não se ensina. Não se compra sensualidade como se compra beleza. Uma cara bonita, umas mamas de silicone, umas pernas de metro e meio, umas costas largas ou uns músculos feitos de suor ginasiano não são, por si só, sinónimos de sensualidade.

Mas afinal o que é a sensualidade ou o ser sensual?

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Mamã

Mamã, arranjas-me uma namorada loira?- pergunta com os olhos cheios de esperança e interrogações.
Como explicar-lhe a impossibilidade da execução do seu pedido e a certeza de que não terá a sua própria família, mas que fará sempre parte da família dos outros?

Como explicar aos filhos dos outros a certeza entre a relação futuro promissor, esforço e educação?
Como explicar-lhes que o mundo é mais do que os seus pequenos olhos de hoje abarcam?
Como explicar-lhes que eles podem mas não querem e que há quem queira e não possa?

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Bernardo e a Loura

Bernardo era um homem que se queria e achava moderno. Barba rala, alourada, com três dias de crescimento (dizia-se que agradava mais às mulheres), olhos castanhos - esvaziados do verde dos de sua mãe o que muito o tinha desiludido em tempos de adolescente -, cabelo farto e corpo cuidado à custa de muito suor ginasiano.
Como qualquer funcionário que se prezasse, Bernardo passava os tempos mortos do seu emprego na net. Um dia, entre uma olhadela nos emails e uma página de conteúdo um tanto ou quanto erótico (vista pelo canto do olho, não fosse o diabo tecê-las e o patrão desse de caras) descobriu uma loura maravilhosa.
Tornou-se um vício descobri-la logo pelas manhãs. Adorava os seus olhos cor de mel, a sua expressão meiga, a postura elegante, altura, comprimento das pernas. Enfim, uma fêmea e peras!
Passou a sonhar com ela e, pouco a pouco, tornou-se uma obsessão. Tinha de a ter. Mas era cara, talvez demasiado cara.
Pensou nisso durante algum tempo, calculou os prós e os contras como bom contabilista que era e, por fim, decidiu-se. Amanhã.
No dia marcado, destilando expectativa, levantou-se cedo. Preparou-se o melhor que pôde e que o seu corpo permitia (sim, porque a primeira impressão é demasiado importante para desperdiçar). Já no carro, ligou o GPS - que até comando tinha, como qualquer instrumento moderno feito para homem -, digitou a morada prevista e lá foi.
Errou os cálculos horários e quando chegou a casa ainda estava fechada. Tomou um café, fumou um ansioso cigarro (atenção que não é plágio, o Eça dizia “um pensativo cigarro”) e aguardou.
Foi o primeiro cliente, disse ao que vinha e a transacção fez-se.
Depois de uma primeira carícia, levou-a para casa e o amor deu-se.

Nota do narrador: Bernando comprou uma Golden Retriever.

Streaper

À hora marcada, despe as palavras ao som da vida.
Dependendo da música, umas vezes dança com elas, dá-lhes voltas, sopra-as e deixa-as cair suavemente como se de vidro fossem.
Outras vezes, morde-as, rasga-as e cospe-as com violência.
Os olhares perdem-se nela e ela vai, lentamente, continuando a despir a alma. Contra todas as expectativas e sem qualquer aviso, segura - com os dedos longos de unhas vermelhas - a última palavra e jamais a solta.
Deixa-lhes sempre água na boca.

domingo, 8 de novembro de 2009

Estranheza entranhada

Com the end acabam os filmes. Com the end acaba o fim-de-semana.
Domingo igual a Sábado.
Maria levanta-se. Lava-se. Não se maquilha. Mal olha para si. Engole um yogurte. Pega no trabalho. Senta-se. Trabalha. Trabalha. Trabalha. Não ouve as perguntas que lhe fazem. Não vê. Sabe que está atrasada. Continua. Mamã, mamã. Levanta os olhos. Diz que já vai. Esquece-se. Não vai. Trabalha.

No fim do dia, olha para dentro de si e sabe que descurou quem mais a ama e que deu tudo a quem não quer saber de si.

Estranha vida esta!

sábado, 7 de novembro de 2009

Puta de sorte

Mais um filho da puta de um dia.
Acordo na cama que destinei ao amor e ao prazer, mas ao meu lado jaz apenas uma almofada bonita e o frio do corpo há muito ausente. Os lençóis vermelhos de cetim avivam a evidência da sua falta e a recordação dos tempos em que percorria com mãos sabedoras a geografia do meu corpo.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Tempo sem tempo

Abomino o tempo em que não tenho tempo.
No meu relógio psicológico o tempo pertence-me e só a mim me diz respeito, já o meu relógio social é um filho da puta implacável, um contador exímio da minha vida que me rouba até o tempo do prazer.

A utilidade da coisa

Vi recentemente um dos famosos programas da Sue Johanson, aquela enfermeira de sessenta e muitos anos que fala com despudor de assuntos do foro da sexualidade. Nesse programa, a Sue responde em directo a perguntas que lhe fazem através de chamadas telefónicas.
Num desse telefonemas pergunta uma senhora:
- Utilizo uma escova de dentes eléctrica para me masturbar, acha que pode ser perigoso?
A Sue sem papas na língua, responde:
- Em princípio não, mas deve utilizar bastante lubrificante porque (como a rotação da escova de dentes é bastante elevada) pode causar alguma abrasão.
- A senhora, responde que sim, que costuma utilizar lubrificante.
Aproveitando para fazer publicidade aos produtos, a Sue acrescenta que são muito bons os lubrificantes à base de água.
A senhora informa que usa pasta de dentes como lubrificador e lança outra pergunta:
- Se não lavar a escova de dentes quando a uso como massajador posso, ao lavar os dentes, contrair DST´s?
A Sue, meio desconcertada mas com o humor que a caracteriza, pergunta-lhe se a coisa funciona ou se faz muita espuma e finaliza explicando-lhe todos os riscos e desriscos dessa utilização.

Como gosto de andar informada e desta ainda não me tinha lembrado, fiz uma perguntinha ao doctor google e fiquei a saber que a escova de dentes eléctrica foi considerada pelas leitoras da revista Diva (revista americana dedicada a lésbicas) como o melhor brinquedo do ano e até já há uma empresa que inventou um acessório - Tingletip - para quem usa as escovas de dentes para outros fins e afins que não os bucais.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Macacos pendurados

Maria saiu à pressa e depressa se dirigiu para o carro. Entrou, sentou-se, espreguiçou-se, olhou-se ao espelho e reparou que, a destoar na sua beleza, tinha um macaco no nariz. Lentamente meteu o dedo, rodou-o e, com jeito, retirou-o. Olhou para ele, era entre o amarelo, o castanho e o verde e pensou que tinha o aspecto normal dos macacos normais. Amachucou-o entre os dedos, abriu a janela e deitou-o fora.
Assim que o fez, lembrou-se de uma curiosa estatística que tinha lido algures - 30% da população mundial comia os macacos. Para a próxima experimento, pensou.

Ad kalendas graecas

Ad kalendas græcas é uma expressão latina que indica algo que jamais ocorrerá, um evento que nunca acontecerá pois as calendas eram inexistentes no calendário grego.