terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A arte do bom roncar ou a odisseia de um ouvinte

Gosto especialmente de ouvir um bom ressonador!

Em vez do monótono e manso silêncio nocturno, o ronco alheio, muito mais interessante, conduz-me a paragens longínquas.

Imagino selvas cheias de canibais que me perseguem, acompanhados pelo alarido estonteante dos tambores. Imagino famílias inteiras de leões famintos que rugem, ferozes. Imagino a algazarra das hienas e o estridor dos hipopótamos.

Outras vezes, vou para outras paragens, embalada por sons e ritmos diferentes. Nessas, imagino que estou no do Carnaval do Rio, ou mesmo na festa de Passagem de Ano do Alberto J. Consigo até imaginar a cor dos foguetes. Noutras, ainda mais divertidas, lanço foguetões para o espaço.

Se não fossem estes sons, viajaria apenas meia dúzia de vezes por ano. Assim, viajo assiduamente todas as noites.

Pena que não viajemos juntos. Viaja um para cada lado!

domingo, 17 de janeiro de 2010

Taras e manias

Para “descuriosar” a minha amiga Maria Teresa (nome fino, este) dos Beijinhos Embrulhados que me lançou o repto de desembrulhar cinco manias minhas, aqui vai:

1ª – Nunca começar um livro e deixar de o ler até ao final. Esta não deve ser mania, deve ser mas é uma tara valente, porque já me custou muitos amargos de boca (de olhos, literalmente), dada a péssima qualidade de alguns. No entanto, quero dar sempre ao escritor o benefício da dúvida e quem se lixa, normalmente, sou eu, porque se há tanta escolha, porque tenho de perder tempo com os maus? É tara, pois é, mas já tinha avisado!

2ª – Cortar o cabelo, quando já passou a fase pior do crescimento da minha trunfa. E ponham trunfa nisso! Cada vez que vou ao cabeleireiro hei-de encontrar sempre um engraçadinho que me diz que tenho melena de modelo e que é uma pena não o deixar crescer que ia ficar tão lindo. Não sabem eles o trabalho que dá ter mais 50% de cabelo que as outras pessoas e não ter jeitinho nenhum para as artes cabelereiricias, lol.

3ª – Adormecer com a televisão ligada. Parece que esta mania é genética, uma vez que “contagiou” a minha prole. Mas os Senhores da Luz andam contentes!

4ª – Querer que toda a gente prove o que eu mais gosto. Esta não é genética, lol, e até ficam chateados comigo cá em casa. Mas que culpa tenho eu de querer que gostem do que é bom? Não percebo! Também gosto de provar as coisas dos outros, facto que também parece não agradar. Acho que sou a única que não sou egoísta, lol.

E sai a última, mas não menos importante. Tenho a mania de ser mandona e de não gostar de trabalhar em grupo. Talvez seja tara de filha única, ou não!

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

La Farmville et moi

Até há um minuto atrás pertencia à associação “FarmVille dependentes anónimos de Portugal”, agora que o divulguei deixei de ser anónima, mas nem por isso menos dependente.

Eu, I, je, yo, ego, (não acrescento mais línguas porque me falta sabedoria para tal) me confesso: sonho com aumentar quintas, apanhar frutas, ordenhar vacas, cabras, apanhar ovos, cultivar e recultivar terrenos…

Eu, que na realidade, não tenho horta, não tenho animais domésticos e tenho um jardim mal tratado. Eu, que nada mais joguei na vida do que uma boa suecada de quando em vez, vejo-me agora perdidamente embrenhada nestes imbróglios virtuais.
O mais caricato da questão é que estou tão viciada que até pergunto aos meus fregueses quem joga Farmville, com o intuito de conseguir vizinhos (imprescindível no jogo).

Ego, Calendas, a quem o tempus fugit normalmente, aqui me confesso e aqui prometo nunca pôr um pé num casino, porque já se viu a minha raça.

Agora que estou com a alma mais leve, vou ver as minhas culturas virtuais…

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

A janela fechada

O homem acorda ao sentir dentro si um revolver intenso, como se algo o chamasse desesperadamente. Já não era a primeira vez que isto lhe sucedia, mas ficava sempre assustado. Tentou, infrutiferamente, acalmar-se. Desta vez a sacudidela interior era mais forte, mais intensa, como se existisse outro ser dentro de si, agora com uma voz nova, mais forte, mais urgente. Era uma voz feita de longos silêncios. Era uma voz de conflitos. Era a voz do tempo. Era a voz do sonho.
Foi então que voltaram as imagens. Imagens de tempos antigos onde a própria memória se perde. Voltou àquela casa distante da sua infância. Havia vozes que murmuravam atrás das paredes e que o incitavam a escutá-las. Detém-se uns instantes, encolhe-se, pressentindo um perigo já conhecido, enquanto as ouve sussurrando:
- nunca espreites pelas janelaasssssssss… nuncaaa espreiteeessssss. Atrás das janelas está o vento e o vento é um monstro feito de ar que te agarra, te leva e não voltas nunca mais.
Sempre esteve atento aos sons da penumbra, sempre fez o que lhe pediam e nunca, nunca em toda a sua vida, olhou através de uma janela.
Perdeu, assim, o outro lado das coisas.
Agora assaltam-no, entontecendo-o, as recordações do seu primeiro e único amor.
Mais tarde, chegou até a rejeitar o amor.
Um dia viu-a, navegando dentro de um vestido azul, mesmo ao lado de sua casa. Habituaram-se a descobrir-se nas manhãs ensolaradas. Com as primeiras chuvas chegou também o amor. E com o amor, as ameaças de sua mãe. Continuaram a ver-se às escondidas, mas foi fugaz essa alegria. Um dia alguém os viu beijando-se no recato de uma sombra e pouco depois já todos sabiam. Como sempre, a ameaça chegou para resolver tudo. Bastou isso para deitar ao chão o incipiente sonho. O sonho foi-se junto com o amor. Tampouco lutou por ele.
Neste momento continua deitado na cama com vontade de morrer. O seu tumulto interior intimida-o e apenas deseja que desapareça.
Não sabe que são os últimos resquícios do sonho esperando por uma janela.
Sempre desconhecerá de que é feito o sonho. Nunca saberá sequer que um dia sonhou olhar através de uma janela. Somente espera pela morte. Sabe que virá e não necessita mais.
Resta saber se, morto, descobriu que nem sequer havia vivido.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O dia mais injusto

Vivi o dia mais injusto da minha vida com sete anos mal medidos.

Fiz a primeira e parte da segunda classe numa escola primária de Matosinhos. Um dia, andava eu já na segunda classe, a professora pediu à minha colega de carteira que fosse ao quadro fazer uma conta de multiplicar. A Ana, assim se chamava, não era muito dada às lides escolares e, bloqueada, não despachava o serviço. A professora, no fundo da sala, impaciente, incitava-a a continuar.
A Ana, augurando, no mínimo, reprimendas várias, ficava cada vez mais nervosa. A minha colega da carteira da frente, Cecília, movida pela compaixão, começou a ditar baixinho os números que a Ana deveria escrever no quadro. Número após número a conta ia surgindo, compostinha.
Talvez o espírito santo de orelha tivesse sussurrado mais alto, o certo é que a professora se apercebeu do facto e rapidamente se ouviu a sua voz já alterada:
- Anabela, cala-te.
Ora eu, estava calada e permaneci calada. E a Cecília, movida pelos mais altos sentimentos, continuou:
- bota um cinco.
- Anabela, já te disse que te calasses.
E a Cecília continuava, querendo levar a bom porto tão difícil problema de cálculo.
- Bota um três.
Zangada, a professora, aproximou-se de mim, e perguntou-me a viva voz se não me tinha já mandado calar.
Encolhida, respondi-lhe:
- Senhora professora, mas não era quem estava a falar.
- Pois agora é que vais levar, responde ela. Não gosto de mentirosas, acrescenta.
Seu dito, seu feito. Espetou-me duas reguadas que me doem até hoje.
Mas o dia não acabou aí.
Na volta para casa, resolvi afastar o stress passando por cima de uma tábua que oscilava encima de uma fossa que estava a meio limpar. Um dos meus colegas mais "perversos", achando a altura ideal, deu-me um empurrãozito solicito. O equilíbrio foi-se e catrapuz. Quase que aprendi a nadar!
Depois da luta para sair da fossa, lá fui estrada acima, pingando e tresandando. Chego a casa e ainda ouvi sermão e missa cantada da minha mãe.

Ora, convenhamos que é demasiado para um dia só. Nem sei como não fiquei traumatizada, nem pedi apoio jurídico, mas a minha vida nunca mais foi a mesma, lol.