Levantou-se com uma urgente vontade de mudança.
Tomou um banho, vestiu-se, calçou-se, maquilhou-se, perfumou-se, colocou a carteira ao ombro e saiu porta fora.
Chovia. Ping, ping. Detestava os dias de chuva. Deixavam-na mole.
Mete-se no carro, pega no comando e aponta-o ao portão. Ouve o familiar ranger do dito, liga o carro, mete a mudança adequada. Vai-se.
Para onde vai ela? Ela própria não decidiu. Vai e chega-lhe por agora.
Chegou. Sai do carro, abre o guarda-chuva.Esboça uma pequena corrida. Entra. Cumprimenta. Coloca o guarda-chuva no sítio adequado. Dirige-se à cadeira vazia e senta-se. Nisto levanta-se e agarra uma revista. Senta-se. Folheia, metodicamente a revista, sem deter o olhar em coisa nenhuma. Espera, pacientemente, pela sua vez.
À hora marcada, senta-se na cadeira que lhe indicaram. Liga o botão da massagem e sente o afago da máquina nas costas. Gosta. Pedem-lhe que se afaste um pouco. Afasta-se complacente. Colocam-lhe o resguardo. Molham-lhe a cabeça. Sente a carícia da água quente. De novo gosta. Colocam-lhe o shampoo. No entretanto, massajam-lhe a cabeça. Não gosta mas não diz nada. Retiram o shampoo, colocam amaciador. De novo massajam. Passam por água. Tiram o excedente de água com uma toalha. Retiram a toalha e colocam outra nova com a qual lhe envolvem a cabeça. Desligam o botão da massagem. Pedem-lhe que se sente noutra cadeira, desta vez sem massagem. Assente.
- Então, como é que vai cortar? – perguntam.
- Curto – responde.
- Muito curto – acrescenta.
- Tem a certeza? – perguntam.
- Absolutamente – confirma.
Cortam, cortam, cortam, cortam. Ela olha, olha, olha, olha. Alegra-se. Arrepende-se. Entristece-se. Mentaliza-se.
Olha de relance para o espelho que lhe mostram. Responde laconicamente que sim, que gostou. Levanta-se. Dirige-se ao caixa. Pergunta pela conta. Dizem-lhe. Paga. Pega no guarda-chuva. Despede-se. Sai.
Entra no carro. Liga o carro. Mete a mudança adequada. Faz pisca. Faz-se à estrada. Vai. Chega a casa. Abre o portão. Mete o carro. Fecha o portão. Sente o frio nas orelhas, agora descobertas. Gosta. Entra em casa. Vê-se ao espelho. Não sabe se gosta. Olha de novo. Está mais leve. Não sabe ainda se gosta. Sabe que mudou. O dia era de mudança. Cumpriu-o.
Tomou um banho, vestiu-se, calçou-se, maquilhou-se, perfumou-se, colocou a carteira ao ombro e saiu porta fora.
Chovia. Ping, ping. Detestava os dias de chuva. Deixavam-na mole.
Mete-se no carro, pega no comando e aponta-o ao portão. Ouve o familiar ranger do dito, liga o carro, mete a mudança adequada. Vai-se.
Para onde vai ela? Ela própria não decidiu. Vai e chega-lhe por agora.
Chegou. Sai do carro, abre o guarda-chuva.Esboça uma pequena corrida. Entra. Cumprimenta. Coloca o guarda-chuva no sítio adequado. Dirige-se à cadeira vazia e senta-se. Nisto levanta-se e agarra uma revista. Senta-se. Folheia, metodicamente a revista, sem deter o olhar em coisa nenhuma. Espera, pacientemente, pela sua vez.
À hora marcada, senta-se na cadeira que lhe indicaram. Liga o botão da massagem e sente o afago da máquina nas costas. Gosta. Pedem-lhe que se afaste um pouco. Afasta-se complacente. Colocam-lhe o resguardo. Molham-lhe a cabeça. Sente a carícia da água quente. De novo gosta. Colocam-lhe o shampoo. No entretanto, massajam-lhe a cabeça. Não gosta mas não diz nada. Retiram o shampoo, colocam amaciador. De novo massajam. Passam por água. Tiram o excedente de água com uma toalha. Retiram a toalha e colocam outra nova com a qual lhe envolvem a cabeça. Desligam o botão da massagem. Pedem-lhe que se sente noutra cadeira, desta vez sem massagem. Assente.
- Então, como é que vai cortar? – perguntam.
- Curto – responde.
- Muito curto – acrescenta.
- Tem a certeza? – perguntam.
- Absolutamente – confirma.
Cortam, cortam, cortam, cortam. Ela olha, olha, olha, olha. Alegra-se. Arrepende-se. Entristece-se. Mentaliza-se.
Olha de relance para o espelho que lhe mostram. Responde laconicamente que sim, que gostou. Levanta-se. Dirige-se ao caixa. Pergunta pela conta. Dizem-lhe. Paga. Pega no guarda-chuva. Despede-se. Sai.
Entra no carro. Liga o carro. Mete a mudança adequada. Faz pisca. Faz-se à estrada. Vai. Chega a casa. Abre o portão. Mete o carro. Fecha o portão. Sente o frio nas orelhas, agora descobertas. Gosta. Entra em casa. Vê-se ao espelho. Não sabe se gosta. Olha de novo. Está mais leve. Não sabe ainda se gosta. Sabe que mudou. O dia era de mudança. Cumpriu-o.
(retirado da gaveta das Calendas)
9 comentários:
eu gosto de ver algumas mulheres de cabelo curto,
não vou comprar o perfume mas vou seguramente a uma loja de perfumes e pedir para experimentar, se eu não gostar lá se vai o encanto. :-)
fizeste bem em usar a palavra "ela" porque o inicio do texto podia estar a referir-se o Castelo Branco!
cortaste mesmo curto ou foi outra pessoa que cortou?
Cortei. Realmente, lol, ainda bem que escrevi ela.
Já em tempos falei sobre este guião para um pequeno filme.
Portanto "acção"!
Algumas das decisões mais importantes da minha vida, algumas não, uma enorme maioria delas, na realidade quase todas ou todas menos uma ou outra, foram tomadas mais ou menos assim, ou seja, só me dei conta da decisão depois do facto consumado. E dou-me por feliz com isso, facto cuja explicação já não é para aqui chamada muito embora o relembrar desta constatação tenha sido o que de mais imediato resultou em mim da leitura deste conto.
Na segunda leitura já deu para pensar que, numa mulher e face a uma qualquer transformação da sua aparência física, essa deve ser uma situação deveras difícil e complexa se abordada racionalmente. Só então me apercebi da dinâmica decidida, incisiva, impulsiva e maquinal do texto, o que faz muito sentido para mim, já que não consigo alhear a expressão plástica, o envelope, da sua razão intrínseca, o conteúdo.
Deve ser “engraçado” conseguir passar um qualquer e aparentemente banal momento, para palavras que, num repente, nos mostram que não há momentos banais.
rd, vou ali buscar o guardanapo e já venho. Duas vezes a mesma leitura e no espaço de um blog é obra . Não valho tanto tempo desperdiçado mas obrigada pelas palavras.
Separado de fresco, eu gosto de homens de cabelo comprido ou carecas, sou de extremos, para mim ou tudo ou nada.
Separado de fresco, eu gosto de homens de cabelo comprido ou carecas, sou de extremos, para mim ou tudo ou nada.
Carapau, efectivamente já tínhamos falado deste ir à máquina zero.
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