Cuida do nosso filho – foram as suas últimas palavras, ditas entre golfadas de sangue.
- Não me deixes, não me deixes - repetiu ele vezes sem conta. Mas ela deixou-o, depois de pouco mais de doze anos de vida em comum.
Andou louco, perdido, meses a fio. Não cuidou dele, nem do filho e apenas disso se deu conta quando o petiz, a quem estava atribuída a tarefa de cozinheiro, se confundiu nos garrafões e cozinhou o almoço com petróleo em vez de azeite.
Isto não é vida para o meu filho. Devo-lhe isso, a ele e a ela, pensou. Vou arranjar uma mulher.
- Ó da casa?
- Ora seja bem aparecido, compadre. Que o traz por cá? - perguntou Inácio.
- Tá bom compadre? Venho apresentar-lhe uma proposta do meu compadre António – respondeu, solícito.
- Homessa, atão nem conheço o seu compadre- retorquiu Inácio.
- Conhece, quer dizer, já ouviu falar dele. Não se alembra do António do Monte Abegão, o deserdado, aquele que enviuvou, coitado, tão novo. Ficou com um gaiato numa mão e montes de dívidas na outra – arrematou Joaquim Coxo.
- Já m’alembro, o tal a quem à mulher lhe arrebentou o coração e morreu afogada no próprio sangue. Ouvi falar. Uma desgraça! Mas que me quer ele? – perguntou curioso.
- Olhe, até fui eu quem lhe dei a ideia. Sabe, o moço é de haveres, mas para já só tem dívidas à conta da doença da mulher e da casa que fez. Alembrei-me da sua Maria Perpétua. A moça não vai para nova e se calhar até lhe dava jeito o casório, - que me diz?
- Será assunto a ver.
- Não me deixes, não me deixes - repetiu ele vezes sem conta. Mas ela deixou-o, depois de pouco mais de doze anos de vida em comum.
Andou louco, perdido, meses a fio. Não cuidou dele, nem do filho e apenas disso se deu conta quando o petiz, a quem estava atribuída a tarefa de cozinheiro, se confundiu nos garrafões e cozinhou o almoço com petróleo em vez de azeite.
Isto não é vida para o meu filho. Devo-lhe isso, a ele e a ela, pensou. Vou arranjar uma mulher.
- Ó da casa?
- Ora seja bem aparecido, compadre. Que o traz por cá? - perguntou Inácio.
- Tá bom compadre? Venho apresentar-lhe uma proposta do meu compadre António – respondeu, solícito.
- Homessa, atão nem conheço o seu compadre- retorquiu Inácio.
- Conhece, quer dizer, já ouviu falar dele. Não se alembra do António do Monte Abegão, o deserdado, aquele que enviuvou, coitado, tão novo. Ficou com um gaiato numa mão e montes de dívidas na outra – arrematou Joaquim Coxo.
- Já m’alembro, o tal a quem à mulher lhe arrebentou o coração e morreu afogada no próprio sangue. Ouvi falar. Uma desgraça! Mas que me quer ele? – perguntou curioso.
- Olhe, até fui eu quem lhe dei a ideia. Sabe, o moço é de haveres, mas para já só tem dívidas à conta da doença da mulher e da casa que fez. Alembrei-me da sua Maria Perpétua. A moça não vai para nova e se calhar até lhe dava jeito o casório, - que me diz?
- Será assunto a ver.
O negócio fez-se. Maria deixava o encalho e casava-se. António recebia 40 contos e uma junta de bois e a promessa de mudança de vida.
Maria Perpétua, ansiosa esperava-o, perscrutando pelo postigo da porta. António, ao vê-la, deixou escorregar o sorriso da boca. Irra, velha e feia, pensou. Maria, ao vê-lo, pensou, bonito e novo de mais, vai-me dar demasiado trabalho.
Dormiram juntos uma vez na vida. Nunca mais repetiram, mas viveram juntos até ao fim!
8 comentários:
Foi assim... tão mau!!!
Abracinho
O meu avô nunca esqueceu a minha avó e também nunca morreu de amores pela nova mulher. Comenta-se de uns casos que teve ao longo da vida, mas que nem disso passaram.
A madrasta do meu pai, avó para mim, foi uma boa pessoa. Para o meu avô foi, MESMO, um negócio. Para ela um sonho não cumprido. Ele nunca a tratou mal, viveram em paz, mas sem amor. Sei que dormiram juntos apenas uma vez. Tentaram e não correu bem. E tentaram já anos depois de terem ido viver juntos.
O casamento - e falo no geral - sempre foi um negócio. Em alguns casos houve amor pelo meio, mas tudo começou com o olho nos haveres dela ou dele (às vezes os pais até exigiam que fossem dos dois lados).
Portanto essa história tem interesse para ti, porque ainda te "dizem" respeito. Suponho que todos temos na família casos mais ou menos iguais.
E ainda hoje, se olharmos em redor, vemos o interesse a "comandar os casórios". Menos que antigamente? Quero crer que sim. Pelo menos eu conheço excepções.
Não concordo. O sempre foi leva-nos ao presente e não podemos ser assim tão desencantados.
Adoro estas histórias.
Lembram-me outras, a propósito de amores e vidas.
(como dizer-to sem parecer mão esquecida em lombo de gato?)
E nunca te disse mas gosto imenso deste teu blog. ;)
O facto de seres tu a dizer enaltece-me o ego. O facto de acreditar, ou não, já é outra vida!
Histórias de outros tempos que se repetem de outra forma...
Hoje dorme-se junto, mas não se vive junto para sempre.
Aí está, Cantinho, aí está. Disseste tudo.
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