O homem acorda ao sentir dentro si um revolver intenso, como se algo o chamasse desesperadamente. Já não era a primeira vez que isto lhe sucedia, mas ficava sempre assustado. Tentou, infrutiferamente, acalmar-se. Desta vez a sacudidela interior era mais forte, mais intensa, como se existisse outro ser dentro de si, agora com uma voz nova, mais forte, mais urgente. Era uma voz feita de longos silêncios. Era uma voz de conflitos. Era a voz do tempo. Era a voz do sonho.
Foi então que voltaram as imagens. Imagens de tempos antigos onde a própria memória se perde. Voltou àquela casa distante da sua infância. Havia vozes que murmuravam atrás das paredes e que o incitavam a escutá-las. Detém-se uns instantes, encolhe-se, pressentindo um perigo já conhecido, enquanto as ouve sussurrando:
- nunca espreites pelas janelaasssssssss… nuncaaa espreiteeessssss. Atrás das janelas está o vento e o vento é um monstro feito de ar que te agarra, te leva e não voltas nunca mais.
Sempre esteve atento aos sons da penumbra, sempre fez o que lhe pediam e nunca, nunca em toda a sua vida, olhou através de uma janela.
Perdeu, assim, o outro lado das coisas.
Agora assaltam-no, entontecendo-o, as recordações do seu primeiro e único amor.
Mais tarde, chegou até a rejeitar o amor.
Um dia viu-a, navegando dentro de um vestido azul, mesmo ao lado de sua casa. Habituaram-se a descobrir-se nas manhãs ensolaradas. Com as primeiras chuvas chegou também o amor. E com o amor, as ameaças de sua mãe. Continuaram a ver-se às escondidas, mas foi fugaz essa alegria. Um dia alguém os viu beijando-se no recato de uma sombra e pouco depois já todos sabiam. Como sempre, a ameaça chegou para resolver tudo. Bastou isso para deitar ao chão o incipiente sonho. O sonho foi-se junto com o amor. Tampouco lutou por ele.
Neste momento continua deitado na cama com vontade de morrer. O seu tumulto interior intimida-o e apenas deseja que desapareça.
Não sabe que são os últimos resquícios do sonho esperando por uma janela.
Sempre desconhecerá de que é feito o sonho. Nunca saberá sequer que um dia sonhou olhar através de uma janela. Somente espera pela morte. Sabe que virá e não necessita mais.
Resta saber se, morto, descobriu que nem sequer havia vivido.
Foi então que voltaram as imagens. Imagens de tempos antigos onde a própria memória se perde. Voltou àquela casa distante da sua infância. Havia vozes que murmuravam atrás das paredes e que o incitavam a escutá-las. Detém-se uns instantes, encolhe-se, pressentindo um perigo já conhecido, enquanto as ouve sussurrando:
- nunca espreites pelas janelaasssssssss… nuncaaa espreiteeessssss. Atrás das janelas está o vento e o vento é um monstro feito de ar que te agarra, te leva e não voltas nunca mais.
Sempre esteve atento aos sons da penumbra, sempre fez o que lhe pediam e nunca, nunca em toda a sua vida, olhou através de uma janela.
Perdeu, assim, o outro lado das coisas.
Agora assaltam-no, entontecendo-o, as recordações do seu primeiro e único amor.
Mais tarde, chegou até a rejeitar o amor.
Um dia viu-a, navegando dentro de um vestido azul, mesmo ao lado de sua casa. Habituaram-se a descobrir-se nas manhãs ensolaradas. Com as primeiras chuvas chegou também o amor. E com o amor, as ameaças de sua mãe. Continuaram a ver-se às escondidas, mas foi fugaz essa alegria. Um dia alguém os viu beijando-se no recato de uma sombra e pouco depois já todos sabiam. Como sempre, a ameaça chegou para resolver tudo. Bastou isso para deitar ao chão o incipiente sonho. O sonho foi-se junto com o amor. Tampouco lutou por ele.
Neste momento continua deitado na cama com vontade de morrer. O seu tumulto interior intimida-o e apenas deseja que desapareça.
Não sabe que são os últimos resquícios do sonho esperando por uma janela.
Sempre desconhecerá de que é feito o sonho. Nunca saberá sequer que um dia sonhou olhar através de uma janela. Somente espera pela morte. Sabe que virá e não necessita mais.
Resta saber se, morto, descobriu que nem sequer havia vivido.
8 comentários:
O homem que não viveu.
Este conto perturbou-me...
Num registo totalmente diferente do que me "habituei" a ler aqui, agradou-me bastante.
Abracinho
Querida Calendas;
Belo texto. Imprevisível, e com um cunho pessoal.
Gostei muito. Tem uma mensagem muito forte nas "entrelinhas"...
Beijinho* ( e já vi que voltas-te em grande! Ainda bem!) ;=)
Era meia noite e o sol raiava num claro dia,
sentado num banco de pau feito de pedra,
lia um jornal sem letras à luz de um candeeiro apagado,
e calado em altos berros dizia:
-A terra é uma esfera quadrada que gira parada à volta do sol.
Ao lado calado, um velho jovem dizia:
-Mais vale morrer que perder a vida.
Vício: esse gajo é primo da outra? A tal que dizia que morrer é o contrário de estar viva?
Meninas, muchas gracias ;), mas não mereço tanto. Trata-se de um texto velho que pus em tempos no blog anterior, o Iannua. Quando o tempo me foge, socorro-me de textos antigos.
Beijos para as 2
...mas fizeste bem em o repescar.
Isto de um gajo (ou gaja) não abrir janelas é uma gaita. Também pode ser outra gaita abri-las e apanhar uma corrente de ar ou cair por ali abaixo...splash!
Não vou dizer que é um texto muito bem escrito, porque podes não gostar.
Mas é.
:-)
Sabes, Carapau, foi o primeiro texto que escrevi (da minha autoria) para um blog.
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