Vivi o dia mais injusto da minha vida com sete anos mal medidos.
Fiz a primeira e parte da segunda classe numa escola primária de Matosinhos. Um dia, andava eu já na segunda classe, a professora pediu à minha colega de carteira que fosse ao quadro fazer uma conta de multiplicar. A Ana, assim se chamava, não era muito dada às lides escolares e, bloqueada, não despachava o serviço. A professora, no fundo da sala, impaciente, incitava-a a continuar.
A Ana, augurando, no mínimo, reprimendas várias, ficava cada vez mais nervosa. A minha colega da carteira da frente, Cecília, movida pela compaixão, começou a ditar baixinho os números que a Ana deveria escrever no quadro. Número após número a conta ia surgindo, compostinha.
Talvez o espírito santo de orelha tivesse sussurrado mais alto, o certo é que a professora se apercebeu do facto e rapidamente se ouviu a sua voz já alterada:
- Anabela, cala-te.
Ora eu, estava calada e permaneci calada. E a Cecília, movida pelos mais altos sentimentos, continuou:
- bota um cinco.
- Anabela, já te disse que te calasses.
E a Cecília continuava, querendo levar a bom porto tão difícil problema de cálculo.
- Bota um três.
Zangada, a professora, aproximou-se de mim, e perguntou-me a viva voz se não me tinha já mandado calar.
Encolhida, respondi-lhe:
- Senhora professora, mas não era quem estava a falar.
- Pois agora é que vais levar, responde ela. Não gosto de mentirosas, acrescenta.
Seu dito, seu feito. Espetou-me duas reguadas que me doem até hoje.
Mas o dia não acabou aí.
Na volta para casa, resolvi afastar o stress passando por cima de uma tábua que oscilava encima de uma fossa que estava a meio limpar. Um dos meus colegas mais "perversos", achando a altura ideal, deu-me um empurrãozito solicito. O equilíbrio foi-se e catrapuz. Quase que aprendi a nadar!
Depois da luta para sair da fossa, lá fui estrada acima, pingando e tresandando. Chego a casa e ainda ouvi sermão e missa cantada da minha mãe.
Ora, convenhamos que é demasiado para um dia só. Nem sei como não fiquei traumatizada, nem pedi apoio jurídico, mas a minha vida nunca mais foi a mesma, lol.